Atualmente há um intenso debate na mídia e na sociedade sobre a PEC 03/22 nº. 39/11 que se encontra em trâmite no Congresso Nacional. A mesma discute e propõe uma redistribuição das terras de marina fixadas em sua maioria, na Costa litorânea brasileira.
Mas, antes de trazermos à baila esse tema relevante, importante explicarmos o que são os terrenos de marinha, ora objeto da PEC em questão, bem como, quais os objetivos dessa proposta de co-autoria do ex-deputado federal Arnaldo Jordy pertencente aos quadros do partido político Cidadania – PA no sentido de entendermos o conteúdo efetivo do texto.
Sem delongas e a despeito da reflexão elucubrativa que essa PEC demanda, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos reconhece os terrenos de marinha através do Decreto – Lei nº. 9760/1946. Neste se dá à demarcação dessas terras de marinha iniciada em 1831 que elaborou o desenho dessas configurações para a formalização do decreto acima mencionado.
Dito isso, necessário salientar que o respectivo decreto permeia as terras de marinha em subdivisões de espaços baseados na Linha Preamar Média – LPM que confeccionou aquele desenho das marés de acordo com a sua consideração em relação a sua máxima. Esse ato formal trouxe as referências para o decreto – lei e sua garantia legal para as demarcações que hoje conhecemos como terrenos de marinha.
Nesse pensamento, a Linha Preamar Média – LPM é uma ferramenta pertencente à Secretaria de Patrimônio da União – SPU que, por intermédio de estudos profundos realizados por de mapas, plantas, documentos históricos e dados específicos de ondas e marés, subdividiu os espaços referentes a esses terrenos, da seguinte forma:
. Terrenos alodiais;
. Terrenos de marinha;
. Acrescidos de marinha;
. Praias.
No que tange aos Terrenos alodiais são aqueles considerados vizinhos ou contíguos ao Terreno de Marinha, de propriedade privada. Já os Terrenos de Marinha são imóveis considerados propriedades da União – sendo que, em alguns casos, a propriedade pertence aos Estados e aos Municípios – (que são medidos a partir da linha do preamar médio de 1831 até 33 metros para o continente ou para o interior das ilhas costeiras com sede de município, conforme supracitado no quarto parágrafo desse artigo).
Além das áreas ao longo da costa, também são considerados terrenos de marinha as margens de rios e lagoas que sofrem influência de marés. Em relação às áreas denominadas Acrescidos de marinha também são considerados bens da União. São porções de terras que anteriormente eram cobertas pelo mar como, por exemplo, espelhos d’água ou mangues, praias e canais marítimos, que foram aterrados após o ano de referência para determinação da LPM.
Entretanto, temos as praias consideradas como orla de terra, fixadas em ambientes costeiros, geralmente, coberta por areia ou pedras que são limítrofes com o mar, um lago ou um rio.
Nesse sentido, é necessário compreender que os imóveis situados nas áreas citadas são de propriedades da União que possuem o domínio útil desses bens. Por isso, é importante frisar que as operações de compra e venda de imóveis de “terrenos de marinha” não envolvem a transferência da propriedade do imóvel e sim apenas a sua posse.
Assim, atualmente e infelizmente, aqueles que ocupam essas áreas de faixa, sejam os Estados, municípios ou privados que, enfim, compartilham a propriedade desses terrenos com o ente público União, (que detém 17% do valor da terra), obviamente, pagam duas taxas para o governo federal, denominadas de foro e laudêmio, sendo que, esta última é paga sempre que um imóvel na área é vendido, numa taxa de 5% do valor da terra. Essa é uma discussão ampla e complexa oriunda da época do Brasil Império que se alastra até o período hodierno.
Após os esclarecimentos sobre o que são os Terrenos de Marinha e suas modalidades e cobranças, adentramos, efetivamente, no debate sobre a PEC das praias e os seus pontos polêmicos.
Essa Proposta de Emenda Constitucional, vulgarmente conhecida como a PEC das praias, não consta em seu conteúdo o abarcamento das praias em si, mas consta o possível acesso de pessoas jurídicas de direito privado a compra e exploração das Terras de Marinha.
O Código Civil Brasileiro – C.C. especifica, claramente, o seguinte em seu art. 98:
“São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for à pessoa a que pertencerem”.
Nesse aspecto, estamos diante da análise do critério da destinação do bem público de domínio nacional em suas formas direta (pela União) e indireta (pelo privado, mas com poder de controle e supervisão da União). Ora, a interpretação é simples e literal, pois, independentemente da forma citada, sempre que o bem público de domínio direto ou indireto necessitar de verificação administrativa ou se por ventura houver a discussão judicial, sempre que a destinação do bem debatido obtiver a prestação de um serviço público, será de domínio real da administração nacional.
Por conta da interpretação acima, todos os bens de domínio público estão protegidos no arcabouço jurídico brasileiro, pois, são inalienáveis (não podem ser vendidos, doados ou trocados); impenhoráveis (não podem ser penhorados de forma alguma, ou seja, não podem ser oferecidos pela própria União nem sofrer penhora judicial); são imprescritíveis (não podem ser objetos de ações de usucapião); e por fim, não oneráveis (não podem ser oferecidos como garantia em nenhuma de suas modalidades, como, por exemplo, dado em garantia em troca de uma dívida).
Os tipos de bens públicos diretos e indiretos estão previstos no Código Civil Brasileiro em seu art. 99 e são baseados da seguinte maneira:
“São bens públicos:
I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades”.
Em relação aos bens públicos diretos e indiretos e seus tipos supramencionados no parágrafo anterior, existe uma exceção no que tange aos bens dominicais, descritos no incido III, do artigo 99 do Código Civil Brasileiro, ou seja, estes, de acordo com o art. 101 do C. C. podem ser negociados pela administração nacional desde que, obedeçam as exigências legais:
“Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei”.
Através dessas considerações legais e interpretativas é que o povo, por ter o poder soberano do país e, por intermédio das eleições elegerem os seus representantes, deve ter cautela, pois o voto aqui neste ponto pode ajudar ou deteriorar um sistema protetivo dessas Terras de Marinha e suas modalidades e tipos que expusemos para a vossa leitura. Quase tudo pode ser alterado no Congresso Nacional (salvo as matérias consideradas como cláusulas pétreas), haja vista, se os seus membros estiverem em sinergia coletiva e desejarem aplicar mudanças nesse aspecto é bem provável que consigam.
Os bens públicos diretos e indiretos pertencem exclusivamente ao Poder Público, ora a União e são protegidos pelo arcabouço legal como já demonstrado. Portanto, não há como o privado obter a propriedade desses bens (pois, para obter propriedade, o particular tem que adquirir o uso, o gozo, a fruição da área somando-se ao título translativo como, a escritura, o contrato de compra e venda e demais características que, são proibidas por lei). Sendo assim, o particular apenas poderia obter o uso, o gozo e a fruição pelo motivo da ocupação ou pelo dito aforamento, para o exercício da posse e ainda controlada pela União.
Seja pela ocupação ou pelo aforamento, o que mudaria seria apenas que a União concederia o domínio útil da área ao privado e não a propriedade em si, estando esta, ainda, sob o controle e a fiscalização da administração nacional.
Entretanto, alguns equívocos no conteúdo dessa PEC 03/22 que, em nossa análise jurídica e política estão notórios e que podem e vão trazer debates e discussões polêmicas como, por exemplo, o artigo 1º da proposta que reza:
Art. 1º As áreas definidas como terrenos de marinha e seus acrescidos passam a ter sua propriedade assim estabelecida…
Logo no caput do artigo externam a palavra propriedade, sendo que já exaurimos as diferenças da posse, da propriedade e do domínio. Assim, cremos que deva ser substituída a palavra propriedade e acrescer posse ou domínio útil, como bem externa parcialmente os próprios incisos desse artigo 1º da PEC 03/22.
Da forma que está enseja que a propriedade dos bens públicos diretos e indiretos possa ser repassada ao privado ou pela ocupação, ou pelo aforamento ou até a concessão, gerando conflito antinômico e interpretativo errôneo de que se pode realizar uma suposta privatização.
Enfim, o repasse da propriedade pública desses bens públicos diretos e indiretos na forma textual que se encontra na PEC é possível sim pensar na inserção de uma possível privatização em que, o domínio deixaria de ser útil e passaria a ser pleno inclusive das praias como parte das áreas em discussão.
Por fim, existem outros equívocos no conteúdo do texto dessa PEC no sentido de valores a serem cobrados como foros e taxas por um curto período de tempo, ou seja, apenas nos últimos 05 (cinco) anos, conforme o art. 3º, § único da proposta, mas, toda e qualquer discussão e debate sobre a respectiva PEC já estaria contaminada pela interpretação de repasse da propriedade pública para o privado, transferindo o domínio pleno ao particular, deixando claro sim a possibilidade de privatização das áreas públicas diretas e indiretas.
Acompanhem os seus representantes políticos para que visualizem os seus votos internos, os seus projetos e propostas políticas, bem como as suas ações dentro e fora das cercanias do Congresso Nacional, pois o seu perfil dirá muito se deseja depreciar os bens públicos diretos e indiretos ou se não vão tocar negativamente naquilo que pertence ao povo brasileiro, ou seja, aos seus avós, pais, filhos e netos em consonância com o uso, o gozo e a fruição desses espaços sem ônus.
Dr. Edney Firmino Abrantes é Advogado, Cientista Político, Professor e Pesquisador. É Especialista, Mestre e Doutor. É autor do livro “Construção e desconstrução imagética dos políticos nas campanhas eleitorais”, dentre outros. É autor de inúmeros artigos científicos e de opinião em sites e revistas especializadas sejam físicas e ou digitais. É colunista do site Fatos Políticos.
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