Desde os primórdios o homem detém o potencial de criação para sobreviver em um mundo inóspito. Primeiramente, desenvolveu a sua capacidade de comunicação entre si e, posteriormente, com os demais. Segundo, potencializou o desenvolvimento criativo trazendo inovações nas ferramentas manuais, no plantio, na colheita, na caça dentre outras, melhorando o modo de vida.
Essa construção formalizou padrões de convivência e de vida ao longo dos séculos. Paralelamente, usos, costumes e tradições foram solidificados através das relações entre as pessoas resultando em agrupamentos com colaborações mútuas, criativas e organizadas, formando as sociedades inteligentes que hodiernamente estamos.
Quando pensamos em criação, inovação e desenvolvimento, projetamos uma tecnologia que avança, que proporciona a evolução positiva nas estruturas das sociedades onde as pessoas constroem a sua personalidade e sua vida, através da reciprocidade experiencial e do conhecimento, oriundos das relações sociais e, logo imaginamos que teremos uma coletividade saudável nos âmbitos da educação, da saúde, da habitação e demais serviços e direitos essenciais.
Essa base supracitada enseja o fortalecimento dos princípios democráticos, da equidade social, da organização social em nichos, da razoabilidade individual e coletiva, melhor distribuição da economia e da renda, gerando uma espécie de justiça distributiva aristotélica.
No século XX, todas essas características surgiram concomitantes nas sociedades democráticas globais. Algumas com um desenvolvimento social mais apurado outras com menos, mas, todas seguindo a trilha do respeito ao Estado Democrático de Direito tentando agrupar elementos de integração dos nichos sociais.
A Sociedade da Informação vem ao encontro de toda essa construção histórica mencionada. A tecnologia trouxe um melhor desenvolvimento e condições estruturais de convivência e de vida. No século XX, o economista americano Fritz Machlup, denominou a Sociedade da Informação ao observar, analisar e trazer para o campo da economia a aplicação do conhecimento como uma espécie de recurso agregador para ajudar a entender a complexidade da matéria.
Em nossa concepção, o trabalho mais relevante de Machlup foi “A produção e distribuição do conhecimento nos Estados Unidos”, datado de 1962 que, ajudou a iluminar o conceito de Sociedade da Informação, bem como a próxima obra chamada “Conhecimento: sua criação, distribuição e significância econômica” que ajudou a cunhá-la.
Por ser professor e pesquisador, creio que a informação é uma espécie de insumo intelectual, uma centelha para o desenvolvimento do indivíduo que irradia para o coletivo transformando pessoas, grupos e sociedades.
Relembramos ainda que, a Sociedade da Informação rompeu com aquela forma de pensar com o corpo, onde a mão de obra era o potencial mais importante do homem na Sociedade Industrial, calcada no fordismo. As pessoas descobriram também a reflexão intelectual como instrumento e capacitação de trabalho para o mercado cada vez mais amplo e competitivo.
Enfim, indiscutível e inegável o surgimento da Sociedade da Informação como o panteão da reflexão das complexidades humanas e sociais modernas. Mas, no século XXI isso caiu por terra a partir do momento em que as sociedades globais passaram a aceitar as inverdades e as superficialidades informativas como relevantes pela ignorância, causando a inversão de valores no seio das civilizações democráticas.
Atualmente temos uma outra realidade, ou seja, os intelectuais, englobando, professores, pesquisadores, escritores, artistas em geral dentre outros, – pessoas que utilizam o cognitivo como instrumento de trabalho – são agora marginalizados por parte da grande massa da população que aceitou a desinformação como uma espécie de verdade.
O autor Cristian Dunker traz em sua obra “Ética e pós – verdade” uma análise sobre a nossa realidade política, social e artística como um exercício que hoje requer a aproximação de um conceito que é discutido há pelo menos dois mil e quinhentos anos (ética) com outro recém-chegado ao léxico das grandes questões (pós – verdade) e que atualmente, praticamente, define o contemporâneo.
Definir o contemporâneo se refere à descaracterização da Sociedade da Informação para a Sociedade da Desinformação, calcada pelas inverdades como base alimentícia para parte da massa populacional. Hoje em dia, com a divulgação maciça de fake news por alguns veículos de comunicação, bem como por toda a rede social, tendem a alimentar a nova sociedade do século XXI através da porta aberta da pós – verdade.
Esta é um neologismo fixada no vocabulário do dicionário Oxford Dictionaries, pertencente ao departamento da universidade de Oxford (responsável pela elaboração de dicionários) que, elegeu uma palavra para a língua inglesa no ano de 2016, denominada “pós-verdade” (“post-truth”). Nessa linha temos a ausência da ética e a inclusão intensa e contundente da pós – verdade como algo que aparente ser verdade é mais importante que a própria verdade em si.
Um exemplo de que a Sociedade da Desinformação está em voga foi o acontecimento do dia 28 de maio de 2024 aqui no Brasil, em sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal onde o Congresso Nacional manteve o veto ao dispositivo do Projeto de Lei que criminalizava a disseminação de fake news em eleições. Porque rejeitar algo que só traz prejuízo? Cremos que existam deputados e senadores que pensam apenas em si, pois, são beneficiados pela suposta ação conservadora excessiva em que, infelizmente, parte do seu eleitorado apóia!
Oras, é sabido por todos que a disseminação de fake news pode ocasionar prejuízos econômicos e financeiros, desgaste e destruição da imagem e reputação de pessoas físicas e jurídicas, bem como, pode-se chegar, inclusive, ao extremo com a morte, vide a sua proliferação catastrófica na época da pandemia, com conteúdos inflamados sobre a negação de vacinas que ajudou a impulsionar centenas de milhares de mortes pela COVID – 19, rejeição da ciência e etc.
Não se pode ainda aceitar a frágil argumentação de que disseminação de fake news engloba o direito de liberdade de expressão, haja vista, expressar-se baseado na lei e nos princípios democráticos é um direito consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e compreende em buscar na sua essência, o recebimento e a difusão de informações de toda a natureza, sem fronteiras, verbal ou por escrito e com bom – senso, respeitando os limites dos direitos da outra pessoa sem lhe causar qualquer tipo de prejuízo como, por exemplo, uma lesão ou ameaça de lesão ao seu próprio direito.
A manifestação de opinião é livre desde que, não viole o arcabouço jurídico existente, caso contrário, aquele (a) que violar o ordenamento ultrapassando os limites do bom – senso e da regra, poderá responder por crime tipificado no Código Penal Brasileiro, aliás, a divulgação proposital de fake news já deveria fazer parte do rol de delitos descritos como forma de controle social, mas, também como proteção da sociedade em nome da harmonia e razoabilidade.
Dr. Edney Firmino Abrantes é Advogado, Cientista Político, Professor e Pesquisador. É Especialista, Mestre e Doutor. É autor do livro “Construção e desconstrução imagética dos políticos nas campanhas eleitorais”, dentre outros. É autor de inúmeros artigos científicos e de opinião em sites e revistas especializadas sejam físicas e ou digitais. É colunista do site Fatos Políticos.
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