Ultimamente, o mundo inteiro tem acompanhado em tempo real o grande embate entre o Ministro Alexandre de Moraes e o empresário bilionário Elon Musk sobre a condução nas redes sociais da plataforma X, antigo Twitter, no sistema de internet brasileiro.
A despeito do conflito entre o bilionário e a Corte Suprema no Brasil temos o dever de destacar os fatos, os motivos e a legislação nacional sobre o tema, independentemente de espectro político-ideológico. Portanto, como se iniciou a fricção entre ambos? Como se comportam? Quais as leis, regras e normas existentes em nosso arcabouço jurídico sobre o assunto?
O choque de opinião entre o STF e o Ministro Alexandre de Moraes com o empresário Elon Musk e a sua rede social “X”, se iniciou quando o excêntrico bilionário australiano efetuou a compra da empresa de alcance global, sob o pretexto de que, a partir daquele momento todos os seus seguidores poderiam exercer a liberdade de expressão sem restrições. As ações destemperadas de Musk começou de fora para dentro, ou seja, este gerou atritos com diversos países como, por exemplo, Austrália, Venezuela, Inglaterra (sendo esta a porta de entrada do grande conflito com a União Européia).
Essa linha de raciocínio de Musk é insustentável juridicamente em qualquer país de regime democrático. A liberdade de expressão tem limites que devem ser respeitados, pois, por exemplo, fazer apologia de crimes, acatar uma enxurrada de fake news, defender a destruição de imagens e honra de pessoas físicas e jurídicas não podem acontecer. Em toda nação democrática, o direito de uma pessoa acaba quando começa o direito da outra, respeitando os limites das legislações existentes em outros países.
Sendo assim, cada ente internacional possui o seu arcabouço jurídico que dá o sustentáculo a sua respectiva sociedade de acordo com a sua cultura, usos, costumes e tradições. Este conjunto robusto lhe garante a defesa do princípio da soberania nacional como direito perante a qualquer um em âmbito internacional.
Princípio da soberania significa que todo e qualquer país possui autonomia e poder político na defesa dos seus direitos e interesses, ou seja, um Estado – nação é soberano e independente não podendo ser subordinado ou subjugado por outro Estado e, este está impedido e limitado para o exercício de sua autoridade perante a Ordem Internacional.
Assim, temos no âmbito internacional o respeito mútuo entre os países, mas também temos o convívio entre empresas multinacionais e os Estados. Aqui se enquadra a relação entre o grupo econômico e financeiro de Elon Musk e sua holding com os países que se relacionam empresarialmente com o bilionário, dentre estes o Brasil. O respeito entre todos deve ser real e o obedecimento à legislação interna de cada ente tem que ser recíproco, um vetor de mão – dupla essencial para o funcionamento das instituições do Estado e a sua soberania. O Código Civil Brasileiro é claro sobre o tema, conforme reza o art. 1.134 e seguintes da Lei infraconstitucional nº. 10.406/2024:
“Art. 1.137. A sociedade estrangeira autorizada a funcionar ficará sujeita às leis e aos tribunais brasileiros, quanto aos atos ou operações praticados no Brasil.” (Grifo Nosso).
Nessa linha de raciocínio o bom senso deve prosperar. Creio que, todo e qualquer cidadão deva assumir um lado em qualquer relação de negócios, mas, uma pessoa jurídica, sob a minha ótica, até pode possuir um lado, mas, deve seguir o fluxo do mercado tendo por escopo o respeito à legislação vigente de cada Estado evitando ferir o princípio da soberania nacional. Vejamos a hipótese do Brasil no caso em tela.
Embora esteja em pleno vapor o embate entre Elon Musk e suas empresas de holding e, em especial, o “X”, antigo Twitter, para toda e qualquer pessoa jurídica de direito privado, devidamente cadastrada burocraticamente em âmbito nacional, necessário seguir regras baseadas em uma série de princípios constitucionais, dentre estes, o princípio da soberania nacional, da reciprocidade, da equidade e também o princípio da publicidade por equiparação, (pois se trata de uma empresa de alcance global que tem como ferramenta a comunicação e esta deve ser exposta, inclusive pela natureza desta exposição se espraiar nas redes sociais com imagens e conteúdos dos usuários).
Dito isso, também é necessário toda e qualquer empresa possuir representantes em território nacional, ou seja, a representação serve para empresas nacionais como para internacionais ou multinacionais. É preciso que uma pessoa física ou uma sede física ou uma empresa física terceirizada estejam à disposição para o mercado, para a população usuária e também para a justiça.
O Código Civil Brasileiro novamente é claro no que toca ao regramento de empresa estrangeira no país, bem como a sua sede e representação obrigatórias em solo nacional, conforme reza o art. 1.134 e seguintes da Lei infraconstitucional nº. 10.406/2024:
Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira.
§ 1º Ao requerimento de autorização devem juntar-se:
I – prova de se achar a sociedade constituída conforme a lei de seu país;
II – inteiro teor do contrato ou do estatuto;
III – relação dos membros de todos os órgãos da administração da sociedade, com nome, nacionalidade, profissão, domicílio e, salvo quanto a ações ao portador, o valor da participação de cada um no capital da sociedade;
IV – cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou o capital destinado às operações no território nacional;
V – prova de nomeação do representante no Brasil, com poderes expressos para aceitar as condições exigidas para a autorização;
VI – último balanço.
§ 2º Os documentos serão autenticados, de conformidade com a lei nacional da sociedade requerente, legalizados no consulado brasileiro da respectiva sede e acompanhados de tradução em vernáculo. (Grifo nosso).
Ainda se não bastasse existe a Lei nº. 12.965/2014, denominada a Lei do Marco Civil na Internet que, na esteira do Código Civil Brasileiro reforça na teoria e na práxis, o regramento a ser seguido por empresas que atuam mediante a necessidade do sistema de internet em solo nacional. Senão vejamos.
Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:
I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;
II – proteção da privacidade;
III – proteção dos dados pessoais, na forma da lei;
IV – preservação e garantia da neutralidade de rede;
V – preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;
VI – responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;
VII – preservação da natureza participativa da rede…
(Grifo Nosso).
O artigo 11 da respectiva lei dá suporte ao Código Civil Brasileiro no que diz respeito à aplicabilidade da legislação brasileira às empresas estrangeiras que exercem atividades na internet, conforme reza:
“Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.” (Grifo Nosso).
Prossegue-se ainda o amparo desta lei como suporte do Código Civil Brasileiro também referente à representação legal e sua aplicabilidade no caso em tela, conforme menciona:
“Art. 12. Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa:
I – advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
II – multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;
III – suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11;
IV – proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11.
Parágrafo único. Tratando-se de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento da multa de que trata o caput sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no País.”
Nesse rumo à representação é algo sério. É a relação jurídica pela qual certa pessoa se obriga diretamente perante terceiro, por meio de ato praticado em seu nome por um representante. Com isso o jurista Arnaldo Rizzardo menciona doutrinariamente:
“Representar significa estar no lugar de alguém, substituir uma pessoa, fazer o papel que lhe incumbia, projetar a sua vontade em uma relação jurídica. Envolve a noção de substituição da manifestação da vontade. Nesta visão, o ato de vontade de alguém que deve figurar na celebração de um negócio é expressada por uma pessoa distinta da que o celebra.” (Grifo Nosso).
Entretanto, no que tange a relação entre Elon Musk e sua holding, especificamente, a empresa “X” que faz parte desse guarda – chuva de empresas, tal representação deveria ou deverá ser fixada, ou seja, todo tipo de relação jurídica que pressupõe ter alguém para responder pelo contratante sobre os deveres e obrigações contraídos pela sua pessoa jurídica de direito privado em solo brasileiro sob a égide do arcabouço jurídico nacional tem que existir. Como suporte legal ainda menciona o Código Civil Brasileiro, Lei nº. 10.406/2024 os seguintes artigos que endossam o argumento:
“Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.”
“Art. 692. O mandato judicial fica subordinado às normas que lhe dizem respeito, constantes da legislação processual, e, supletivamente, às estabelecidas neste Código.”
Assim, não há como confundir o instrumento de mandato com a representação, pois, aquele é o documento que consagra a representação, bem como um contrato, onde o contratante faz um negócio jurídico com o contratado e este também pode ter que representar aquele, de acordo com as bases contratuais discutidas, bem como com o respectivo objeto do acordo de vontades.
Já o contrato corresponde a um acordo de vontade entre as partes, pactuado dentro dos limites estabelecidos pela legislação vigente. Tal acordo de vontades estabelece direito e deveres recíprocos, mediante uma prestação e uma contraprestação. Por fim, já a representação é, a partir desse mandato ou contrato, significa estar no lugar de alguém para a tomada de decisão necessária de acordo com as vontades estabelecidas.
“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
Nesse diapasão e com base no conflito entre Musk e o “X” verificamos juridicamente que razão consiste no arcabouço legal brasileiro, bem como nas ações emanadas pelo Poder Judiciário, especificamente, o Ministro Alexandre de Moraes e por consequência, o Supremo Tribunal Federal, ora o bastião da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Toda e qualquer pessoa física ou jurídica de direito privado, seja nacional ou internacional ou multinacional tem que ter um representante legal (munido de contrato, procuração e sede fixa em solo brasileiro) para fins de comunicação e prestação de contas. Mas, e se não houver representação como no exemplo de Elon Musk e o “X” aqui no Brasil? Segue abaixo duas formas de agir:
Na primeira, existe o rito para comunicar judicialmente uma pessoa física ou jurídica no exterior, mas para tanto, seria necessário o envio de uma Carta Rogatória passando pelo crivo da Suprema Corte no Brasil e encaminhando ao “Pode Judiciário” do país direcionado demandando muito tempo para uma singela comunicação exarando um pedido de manifestação ou até um cumprimento de uma ordem, mas, lhes questiono: E se houver necessidade de celeridade como, por exemplo, um cumprimento de uma liminar?
A resposta à questão última do parágrafo anterior se coaduna com a segunda forma de agir descrita no parágrafo segundo, última parte, desta lauda, pois é possível o Judiciário brasileiro mediante a gravidade e celeridade, não trilhar o caminho da carta rogatória e sim apresentar a intimação para cumprimento no próprio domínio da empresa “X”, o que de fato e de direito foi feito.
Porque foi realizado o ato de intimação via domínio da empresa “X”? Simples, porque a empresa não possui representação legal no país descumprindo todo o passo a passo que descrevemos nos parágrafos anteriores sobre a representação legal. Além disso, necessitava de celeridade no ato deflagrado pelo Poder Judiciário sob pena dos prejuízos que a falta de ciência da requerida poderia trazer aos usuários, bem como, a desobediência latente da empresa e de seu proprietário que, não apenas desobedeceu a legislação nacional como também as ordens do próprio Judiciário e por fim, atacou e continua atacando o guardião da Carta Política e o seu membro, ora o Ministro Alexandre de Moraes tentando desgastar a imagem e a credibilidade de ambos.
Vejam, toda e qualquer decisão judicial é passível de debate e discussão, principalmente, no campo jurídico, haja vista, o direito ser bastante dinâmico e complexo em sua interpretação e aplicação ao caso concreto. Mas, há casos que são notórios sobre a dificuldade de sustentar uma defesa jurídica equilibrada e aceitável no Poder Judiciário em situações indefensáveis, ou seja, quando viola a legislação.
O caso do “X” é emblemático, pois se coaduna com uma defesa difícil de sustentar. A violação do arcabouço jurídico brasileiro é contundente por parte da empresa e de seu proprietário. Além do mais não há bom senso e respeito nas suas decisões. Mesmo com as tomadas de decisões do Supremo Tribunal Federal e do Ministro Alexandre de Moraes que suspendeu a sua plataforma (por falta de cumprimento dentro do prazo judicial de 24 horas estabelecido desde a sua ciência), o bilionário zomba na internet sobre o acontecido mirando assertivamente um público adepto ao radicalismo tentando inverter o jogo processual a favor de si.
Mediante a ausência do réu e sua empresa, a Suprema Corte encaminhou o pedido de suspensão do funcionamento da plataforma “X” a ANATEL que cumpriu o determinado. Na seqüência, o STF bloqueou valores da Starlink (empresa que faz parte do holding de Elon Musk) no intuito de garantir o Juízo pelos pagamentos de várias multas aplicadas ao “X” pelas inúmeras desobediências praticadas em série como também encaminhou ao Google e a Apple para ato semelhante de bloqueio dos aplicativos no sistema IOS do antigo Twitter e proibiu o uso do VPN sob pena de multa para qualquer um que utilizar tal serviço.
Por fim, o Ministro Alexandre de Moraes encaminha para julgamento na Primeira Turma da Suprema Corte que, decidiu por unanimidade, manter o despacho individual daquele. Na data de 04/09/2024, a empresa Starlink anuncia que irá cumprir as determinações legais do guardião da Constituição da República Federativa do Brasil com o intuito de resolução do problema causado infantilmente pelo bilionário, dando o primeiro passo bloqueando o sistema de funcionamento da empresa “X”.
O resultado dessa peleja causou e ainda causa enormes prejuízos para parte da população brasileira, onde os milhões de usuários da plataforma “X” no país foram impactados negativamente pelo desleixo de Elon Musk. Toda empresa tem a sua responsabilidade social a ser cumprida e, neste caso emblemático, tal plataforma faltou com a sua! Já pensaram nos prejuízos individuais que cada usuário sofreu pela imprudência e negligência do bilionário? Cremos que cada prejuízo causado possa ser buscado na Justiça brasileira através de ações judiciais indenizatórias cabíveis, obviamente, desde que comprovadas.
Dr. Edney Firmino Abrantes é Advogado, Cientista Político, Professor e Pesquisador. É Especialista, Mestre e Doutor. É autor dos livros “Construção e desconstrução imagética dos políticos nas campanhas eleitorais” e “Astroturfing e o discurso político na pandemia” dentre outros. É autor de inúmeros artigos científicos e de opinião em sites e revistas especializadas sejam físicas e ou digitais. É colunista do site Fatos Políticos.
Contato: [email protected]