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O QUE SIGNIFICA POLÍTICA DE ESTADO?

O Estado de fato e de direito é um complexo institucional. É considerado uma pessoa jurídica de direito público que comporta um conglomerado administrativo e que age de forma soberana na representação da população do Brasil. Além da soberania esse ente é composto pelo seu território geográfico e pelo seu determinado povo que acatam a sua administração pública. 

Com isso, para gerar vínculo do ente Estado com a população houve a necessidade de se obter a existência de um contrato bilateral (entre Estado e povo) com a finalidade de transferência mútua e recíproca de direitos e obrigações. Seria uma espécie de vetor de mão dupla em benefício da sociedade. Foi necessária a criação de um contrato social do Estado com a sociedade para fins de convivência em harmonia e bom senso. 

Antes da criação e aceitação do respectivo instrumento vivíamos em ambiente de cunho natural, ou seja, era o estado natural de sobrevivência onde as pessoas não respeitavam regras e sim as suas próprias vontades e interesses que poderiam levar a conflitos contundentes, por exemplo,  em relação a tomada de terras pela força, pela sobreposição de uma pessoa sobre a outra na busca pelo poder e, inclusive a travar guerras sem se preocupar com as mortes.

Por toda essa possibilidade negativa descrita no parágrafo anterior, foi necessária a fixação de um contrato social fazendo a transição do estado natural (onde as pessoas não possuíam regras e normas) para um estado de direito (onde as pessoas estão sujeitas a obedecer regras e normas). Sem a fixação de um arcabouço jurídico legal os homens viveriam em meio a batalhas e guerras sangrentas na busca pelos seus desejos se utilizando de força e estrutura financeira para arrebatar tudo o que podia. Esse tipo de ação trazia enorme insegurança na convivência pacífica entre si (gerando o afeto medo) não lhes remanescendo outra opção a não ser concordar com um instrumento tácito que predomine sobre os homens.

Portanto, como se deu a criação desse tal contrato? Através do surgimento dos pensadores denominados contratualistas. A essência desse pensamento seria calcado no interesse dos indivíduos cederem parte dos seus direitos e a própria liberdade em troca da proteção do ente estatal.

Nessa linha de raciocínio, primeiramente chegou Thomas Hobbes (1588 – 1679), um pensador que não acreditava nos homens, pois, os achava prepotentes e vaidosos ao ponto de agirem pela força contra os mais frágeis e humildes. Sob a sua ótica proporcionou a ideia de um pacto entre o Estado soberano e a sociedade onde esta abriria mão de sua liberdade e direitos em nome de uma submissão e controle visando, única e exclusivamente, a segurança e a paz como mote e o objetivo central de preservação da vida humana.

Trouxe essa ideia em sua obra “Leviatã” ensejando a criação e elaboração de um ente que protegesse a todos em questão de igualdade. Aqueles que descumprissem o controle do Estado responderiam na proporcionalidade das regras trazidas com o fito de se evitar insegurança. Propôs ainda a escolha de um representante do povo para gerir o Estado do povo, através do Contrato tácito, invisível, mas existente e eficaz.

Na esteira do pensamento contratualista chegou John Locke (1632 – 1704) que trouxe a sua ideia de contrato na sua obra “Dois Tratados de Governo Civil” baseada na proteção da vida e da propriedade privada como direitos inalienáveis, devendo-se observar o ponto de partida (negociações) realizado por intermédio de acordos recíprocos entre os homens, momento exato que o Estado deve aparecer na regência dessas situações. Um conjunto de leis seria necessário para proteger os direitos dos indivíduos, ora fruto dos seus trabalhos que resultaria na respectiva propriedade.

O pensador reconhecia que o homem era egoísta e, portanto, capaz de criar conflitos desnecessários por conta das intensas disputas de interesses. Embora tivesse ideia semelhante a Hobbes no que tange a teoria do contrato do Estado com o povo, discordava deste em relação ao direito divino dos reis caracterizando uma teocracia (onde o rei era escolhido por Deus como representante no poder). A teoria de Locke predomina única e exclusivamente em um rei escolhido pelo povo soberano no bojo de uma monarquia real e não teocrática.

Delineando o pensamento semelhante chega Jean Jacques Rosseau (1712 – 1778). Creio tenha sido o mais completo no que toca ao pensamento do contrato social do Estado com a sociedade. Obviamente, bebeu na fonte teórica das ideias de Hobbes, Locke e do Iluminismo francês, mas deixou um trabalho relevantíssimo sobre o tema. Alega em sua obra “Do Contrato Social” que, os homens estão inseridos na sociedade e esta atua sobre os mesmos. 

Com isso, existe um conjunto de leis pertencentes ao Estado denominado contrato social em que a sociedade se submete refletindo-as sobre os indivíduos. Tal submissão se deve ao respeito da vontade geral (da maioria da sociedade) que acata essa determinação. Porque pensava dessa forma? Para Rosseau o homem, em seu estado de natureza, era uma pessoa boa, sem cobiça e egoísmo. Mas, ao sair do estado de natureza e passar ao estado onde impera o pacto, o homem se torna possessivo e conflitivo, necessitando de regras e controle. 

Após a demonstração superficial da teoria e surgimento do Estado e o seu Contrato Social na regência sobre os homens, confluiremos com a prática dessa relação e a linha tênue do respeito aos direitos e garantias fundamentais com as realizações de políticas públicas em benefício da população que compõem a coletividade da sociedade civil.

Embora a relação entre o Estado e o povo, por intermédio do contrato social ainda seja complicada, (historicamente conflitiva por inúmeros motivos), diga-se de passagem, por razões mútuas, o interesse maior é a evolução positiva dessa vinculação com o intuito de gerar equilíbrio e sinergia evitando desgaste e sofrimento.  É exatamente por este motivo que se exige perante o Estado Moderno e sua relação com a Sociedade Civil hodierna um controle social eficiente em relação à realização de políticas públicas.

A regra desse jogo está baseada no Estado Democrático de Direito, pois, o Brasil é um país cuja sua regulação segue a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que delimita as suas ações através do princípio da legalidade onde reza que a Administração Pública (art. 37), – seja em qualquer dos seus níveis de poder: União, Estado, Distrito Federal e Município – deve agir em conformidade com a lei e com o direito, conforme dispõe em seu art. 1º:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;       

V – o pluralismo político…

Aqui nesse ponto nos cabe citar que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, os critérios para a formação de uma república são baseados nos fundamentos que se dá com a soberania do povo, cidadania, dignidade da pessoa humana, o trabalho e o pluralismo político. Assim, temos o Brasil configurado como nação da coisa pública e regido pela Carta Política Constitucional sob o regime democrático e sistema presidencialista. 

Devido à complexidade continental e o Estado Democrático de Direito o país através da soberania popular elege seus representantes legais democraticamente por eleições, fazendo estar presente o vencedor do pleito eleitoral que receberá autorização para governar de forma transitória e temporária, conforme descreve o parágrafo único do art. 1º da Lei Maior:

Art. 1º…

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (Grifo Nosso).

Portanto, deflagra-se nessa linha de raciocínio a presença do Estado e do Governo, tendo aquele o dever e a obrigação de proteger os direitos e garantias do povo como objetivo principal e, o governo, tendo o dever e a obrigação de gerir as políticas públicas em benefício da população que compõe a coletividade da sociedade civil e seus nichos. 

No Estado de Direito a estrutura de poder do Estado (como ente), absorve os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (nos níveis de poder da União, do Estado e do Distrito Federal, salvo no âmbito municipal onde não existe um poder judiciário municipal), já a estrutura de governo se restringe a mandatos provisórios exercidos no bojo do Poder Executivo (existente em todos os níveis de poder), bem como trabalha sob a fiscalização e controle do Poder Legislativo (também existente em todos os níveis de poder). 

Entretanto, traremos a partir daqui as explicações sobre as ações do Estado no que diz respeito às políticas públicas na prática, haja vista, já termos mencionado o surgimento estatal na teoria e sua obediência ao princípio da legalidade e da nossa Carta Magna de 1988 deixando claro que a dualidade Estado e Governo são distintos e sobre este, falaremos depois, especificamente, no próximo artigo.

Seguindo sobre as políticas de Estado, já mencionamos anteriormente que, o objetivo principal do ente é a proteção dos direitos e garantias individuais e coletivas constitucionais. Os direitos humanos da população soberana devem ser priorizados respeitando a dignidade da pessoa humana, conforme já descrito no art. 1º, inciso III da C.F. 

Clarividente está que existe uma relação intrínseca entre o ente Estado e o governo. Aquele um conglomerado de instituições permanentes que propõe burocracias em nome do objetivo maior de proteger os direitos da população soberana, obviamente, quando o regime for livre e democrático. Já o governo temporário e eleito tem o escopo de executar as políticas públicas necessárias ao bem estar do povo soberano através de projetos e programas político – partidários de quem assume o poder majoritariamente (presidente, governador e prefeito, de acordo com os níveis de poder) entrelaçado aos seus legislativos que fiscalizam e aprovam as suas ações de governo.

As ações de Estado ilustram um arcabouço jurídico capaz de proporcionar um suporte legal das suas instituições permanentes para os governos agirem por intermédio das realizações de políticas públicas. Todas essas ações de governo necessitam da autorização burocrática estatal que enseja a elaboração e instauração de um processo carreado de um conjunto de atos concatenados destinados a um fim que é a efetiva produção da política pública requisitada formalmente. 

Enfim, a ação de governo propõe um projeto ou programa endereçado à estrutura estatal que, sob a sua responsabilidade de Estado analisa burocraticamente e, se for o caso de aprovação, acata a tomada de decisão. Entretanto, entre o ente estatal e o governo eleito existe a figura do administrador público que se define como o representante legal eleito pela festa democrática das eleições. Aqui se pressupõe que as suas tomadas de decisões políticas devam respeitar primeiramente o arcabouço jurídico – legal que protegem a república, segundo submeter as suas ações de governo para análise das instituições permanentes do Estado burocrático e, se for aprovado, enfim, o governante (administrador público) aplicará as suas ações de governo por meio de políticas públicas.

O Estado encampa as ações de governo através de seus programas e projetos buscando a efetivação das políticas públicas de sua alçada, ou seja, geralmente, (sob a nossa ótica) as políticas subdividem-se em políticas públicas sociais e políticas públicas de Estado, (embora ambas sejam implementadas com verba pública, a origem as distinguem). Senão vejamos.

A política pública social é de fato e de direito realizada pelo Estado em conjunto com o governo e seus projetos e programas caracterizados como ações governamentais, mas tal política pública emana diretamente ou indiretamente pelos movimentos sociais. Já as políticas de Estado são aquelas efetivamente realizadas constantemente, independentes de governos e suas continuidades pelo instituto reeleição, como, por exemplo, a política educacional. Esta é considerada política pública social ou de Estado?

Existem movimentos sociais que buscam inúmeras melhoras na educação brasileira, mas, independentemente das propostas surgidas e trazidas, também existe um Plano Nacional da Educação, atualmente descrito pela Lei n. 13.005/2014. Com isso, por mais proposições de idéias e de estruturação que os movimentos sociais tragam, todos os entes federativos devem obedecer às diretrizes e bases educacionais fixadas na lei. Portanto, sob a nossa ótica, a política social educacional é de exclusividade do Estado, mas que acata ações de governo (por iniciativa própria ou de origem dos movimentos sociais) nos pontos de implementação, reestruturação e melhoras no seu funcionamento como um todo.

Na linha de raciocínio supramencionada, entra governo e sai governo que, as leis de diretrizes e bases da educação se mantêm, sendo assim, uma política pública de Estado baseada, hodiernamente, na Lei 13.005/2014, vide inúmeras restrições para a implementação de escolas militares em solo nacional, pois, infringe o Plano Nacional da Educação e também os Planos Subnacionais em que todos os entes da federação devem seguir.

Por fim, o Estado brasileiro como ente foi forjado sob o Estado Democrático que organiza a sociedade política seguindo a Constituição Federal de 1988, ora legislação Maior. Esta respeita o princípio da recepção que absorve legislações internacionais, dentre estas está a Afirmação da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, baseada na Convenção dos Direitos Humanos, em seu art. 30 e Opinião Consultiva OC-6, Série A, n. 6, § 22, como estrito cumprimento do dever legal do Estado para com o povo soberano e o governo provisório tem o condão de agir neste sentido, caso contrário, tanto o ente estatal quanto o governante infringem na violação constitucional dos direitos e garantias individuais e coletivas da população que aguarda ansiosamente por políticas públicas decentes.

Dr. Edney Firmino Abrantes é Advogado, Cientista Político, Professor e Pesquisador. É Especialista, Mestre e Doutor. É autor dos livros “Construção e desconstrução imagética dos políticos nas campanhas eleitorais” e “Astroturfing e o discurso político na pandemia” dentre outros. É autor de inúmeros artigos científicos e de opinião em sites e revistas especializadas sejam físicas e ou digitais. É colunista do site Fatos Políticos.

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