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O ENDURECIMENTO DA LEI DO ABORTO: BENEFICIO OU RETROCESSO SOCIAL?

Quando se fala em aborto, por si só o assunto se torna polêmico. É um tema de difícil discussão e debate, principalmente nos espectros ideológico, político e religioso. Na base dessa trinca existe a lei, ou seja, o arcabouço jurídico que trata da questão preventiva e punitivamente.

Entretanto, importante ressaltar neste artigo, primeiramente o que é o aborto inseguro em termos conceituais, político, jurídico e social. Como se vê o assunto não é apenas polêmico, mas, especificamente de caráter de saúde pública.

Temos a possibilidade de expor o tema em vários enfoques, dentre estes, o direito á vida, o demográfico, saúde pública, como também aqueles já previstos em lei, nos casos de estupro e anencefalia, por exemplo, todos, indiscutivelmente, interligados, primariamente a mulher e seus direitos e garantias e, secundariamente, a saúde pública de qualidade atrelada à realização de políticas públicas subdivididas em prevenção e saúde sexual.

Isto posto, em termo conceitual, os países signatários da Organização das Nações Unidas – ONU, (dentre estes o Brasil), especialmente, oriundo de sua subordinada Organização Mundial de Saúde – OMS, acatam o conceito de aborto inseguro, embasado por esta agência especializada da seguinte maneira:

procedimento utilizado para interromper uma gravidez, realizado por pessoas não habilitadas ou em ambiente não-adequado. (World Health Organization. World health report 2005: make 1. every mother and child count. Geneva: WHO; 2005).

Na linha conceitual trazida e solidificada pela OMS, cremos que o aborto inseguro só pode ser questionado em suas condições quando realizado ilegalmente, ou seja, violando a lei e seus limites jurídicos descritos.

A legislação brasileira é bastante dura e clara em relação ao tema. Está fixada na Parte Especial do Código Penal Brasileiro, ora o Decreto – Lei nº. 2.848/1940 que, no que toca em relação ao aborto, descreve o seguinte:

TÍTULO I DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A VIDA

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.

Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Forma qualificada

Art. 127. As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

(Grifo nosso).

Caros leitores, a legislação brasileira sobre o tema está fixada e descrita no Código Penal Brasileiro de forma límpida e dura. Entretanto, aqueles que estiverem envolvidos em sua prática que violem o texto legal poderão e deverão responder pelo suposto crime imputado lhes ensejando a ampla – defesa e o contraditório.

Como podem ver, o numeral da pena possui variações que vão desde á detenção de 01 a 03 anos (se o aborto for provocado pela gestante ou com o seu consentimento), como também de 03 (três) a 10 (dez) anos de reclusão (se o aborto for provocado por terceiro), podendo, inclusive, ser aumentada em 1/3, caso incida a inserção do conteúdo previsto no artigo 127 do CP em seu parágrafo único.

Enfim, a pena já prevista em nosso arcabouço jurídico é pesada para aqueles que incidam na prática delituosa do aborto infringindo a legislação supracitada, tornando-o inseguro e ilegal. Assim, lhes questiono: é necessário equiparar o aborto ilegal (já previsto duramente no CPB nos artigos 124 a 128) com o homicídio? Gera ou não incompatibilidade numeral e intelectual em relação a sua interpretação?

Primeiro, particularmente, acho viável e saudável o debate em todas as searas sobre todo e qualquer tema, dentre estes o aborto. Segundo, há que se levar em consideração o caminho percorrido até o presente para a obtenção desse direito, ou seja, desde o século XX com o movimento feminista na Europa e nos Estados Unidos, bem como no Brasil, a luta das mulheres através de movimentos sociais e opiniões sólidas baseadas na ciência.

A atual conjuntura política global traz um viés de crescimento da extrema direita. Vemos a ascensão, principalmente, na Europa (vide Hungria, Itália, França) e nos Estados Unidos que, atualmente, se encontra dividido entre Biden e Trump. Já no Brasil não é diferente, há um embate notório entre o lulismo e o bolsonarismo que movem massas de ambos os lados.

Independentemente do espectro político e ideológico entre esquerda, centro e direita, num caso polêmico como o do aborto passando dos limites legais, temos que criticar construtivamente projetos e ideias que venham contra a legislação. Tudo que vem dos extremos é ruim, ou seja, tanto a extrema esquerda quanto a extrema direita trazem radicalismos em seus discursos e suas ações calcadas em argumentos fundamentalistas.

No caso em tela, a extrema direita brasileira propõe a mudança da legislação sobre o aborto em alguns pontos vitais que ultrapassam os limites legais previstos no Código Penal Brasileiro. Senão vejamos.

Esse tipo de pensamento e proposição de endurecimento da lei do aborto é um retrocesso. A democracia pressupõe a liberdade de pensamento, de expressão, de locomoção (de ir, vir e permanecer), bem como a liberdade sobre os nossos corpos. Quando existe uma lei, a mesma deve ser interpretada de acordo com a herança familiar de usos, costumes e tradições, somados a sua personalidade formada por convicções e formações dentre elas, a profissional, a religiosa e a social que resultam na visão de mundo da pessoa.

Quando esse caldeirão de características traz um viés de radicalismo, o texto de lei já descrito cai por terra, pois o argumento fundamentalista já não mais o considera ou na pior das hipóteses, o considera como um perigo para o nicho social que o representa.

A comparação ou equiparação da lei do aborto e a sua autorização em casos de estupro, anencefalia ou em casos em que levam perigo à vida da mulher, por exemplo, com a prática do artigo 121 e seguintes do Código Penal Brasileiro, beira ao absurdo podendo causar prejuízos sociais. Nesse caso específico, somente as mulheres podem opinar com propriedade sobre o tema.

Infelizmente, o Projeto de Lei nº. 1904/2024 apresentado pelo seu autor, o Deputado Federal Sóstenes Cavalcante, filiado ao Partido Liberal – PL pelo Estado do Rio de Janeiro – RJ, expressa um limite de tempo de 22 (vinte e duas) semanas para a gestação evitando a prática do aborto acima deste prazo, mesmo nas situações autorizadas por lei e, previstos no artigo 124 e seguintes do Código Penal Brasileiro já arrolado retro.

Essa é uma justificativa fundamentalista, pois, ao equiparar o projeto de lei em questão com o homicídio acaba aumentando a pena do aborto (na lei atual prevista no artigo 125 do CP, que pode chegar à máxima de 10 anos) com a do homicídio (que na lei atual pode chegar a 20 anos), conforme comparativo com o artigo 121 também do CP, conforme reza:

Art. 121. Matar alguém:

Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

(Grifo nosso).

Deixemos de lado a religião, a ideologia e os interesses de alguns, e passemos, agora, a debater tecnicamente, dentro da racionalidade que o assunto exige, essa comparação trazida pelo deputado do Rio de Janeiro é esdrúxula e sem cabimento jurídico – legal.

Após a nossa análise como operador do direito por 25 (vinte e cinco) anos de profissão, além de mais 05 (cinco) anos de graduação (onde realizei estágios nos mais variados órgãos públicos e privados, somados a escritórios particulares de advocacia), esse PL 1904/2024 não deve prosperar, haja vista, é integralmente inconstitucional. Senão vejamos.

Primeiro tal equiparação do aborto com o homicídio é insustentável legalmente, pois a sua fundamentação é frágil conflitando frontalmente, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana que reflete na violação dos direitos e garantias fundamentais da criança, do (a) adolescente e, obviamente, das mulheres.

Segundo, a equiparação entre o aborto e o homicídio que pode influenciar na alteração brutal no numerário da pena, gera, além da inconstitucionalidade, um ônus totalmente desproporcional, pois, a pena seria aumentada de 10 (dez) para 20 (vinte) anos de reclusão, ou seja, o dobro, tornando-a inconcebível.

 Terceiro tal comparação entre o aborto e o homicídio, além de aumentar o numeral da pena para as mulheres que supostamente praticarem o delito do aborto nas condições que o P.L. 1904/2024 propõe, também afetará o numeral da pena no comparativo com o crime de estupro, ou seja, no cotidiano, o estuprador pegaria no cômputo da pena 10 (dez) anos, sendo que a mulher violada contra a sua vontade pegaria 20 (vinte) anos. Absurdo, conforme reza o artigo 213 do C.P.:

Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: 
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos
1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: 
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. 
2o Se da conduta resulta morte: 
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos

(Grifo nosso).

Vejam, no caput do artigo 213 que se refere ao estupro a pena máxima é de 10 (dez) anos, sendo que no artigo 121 também do arcabouço penal é de 20 (vinte) anos. Então, podemos afirmar que o estuprador que violar uma mulher contra a sua vontade praticando o delito de estupro, na pior das hipóteses terá como resultado do seu ato a aplicação da pena de 10(dez) anos.

No outro prisma, a mulher vítima desse mesmo estuprador, na pior das hipóteses, se ficar grávida contra a sua vontade e quiser procurar um hospital ou ambulatório para retirar o feto indesejado (de acordo com a descrição nos artigos 124 e seguintes), de acordo com o P.L. 1904/2024, a mesma deveria ser presa, processada, julgada e condenada a uma pena de 20 (vinte) anos de reclusão, ou seja, o estuprador seria condenado a 10 (dez) anos e a vítima 20 (vinte) anos.

Eu lhes questiono: É benefício ou retrocesso? Obviamente, só poder ser retrocesso!

Quarto, cremos que, o objeto dessa discussão não deveria ser o endurecimento da lei nos casos do aborto já liberado em situações já autorizadas por lei e sim trazer a participação da sociedade civil organizada e a população para debates intensos sobre o tema, por intermédio de audiências públicas, para uma maior inclusão do Estado, bem como das instituições públicas e privadas no intuito de oferecerem mais estrutura (através de políticas públicas responsáveis) no sentido de solucionarem ou resolverem as agruras que assolam as mulheres e meninas que passam pelo constrangimento do estupro.

O acolhimento das mulheres e meninas violadas pelo horrendo crime de estupro deveria ser regra no bojo da sociedade, pois, não existem locais e profissionais suficientes para abordagem psicológica ou psiquiátrica ou até hospitalar para cuidar de sua saúde física e mental abaladas.

Por fim, o Estado não é proprietário das pessoas humanas, especificamente dos seus corpos, ou seja, o indivíduo é dono de si, o seu corpo pertence única e exclusivamente a si mesmo, aliás, isto é pacífico na literatura. Ninguém tem o direito de ditar regras ou leis para violar os corpos na sua intimidade, salvo sim, nos casos previstos na legislação quando se tratar de crianças, menores de idade, mas que a sua família (pai e mãe ou nos demais exemplos de núcleos familiares contemporâneos) detém a responsabilidade direta sobre o pátrio ou mátrio poder.

Dr. Edney Firmino Abrantes é Advogado, Cientista Político, Professor e Pesquisador. É Especialista, Mestre e Doutor. É autor do livro “Construção e desconstrução imagética dos políticos nas campanhas eleitorais”, dentre outros. É autor de inúmeros artigos científicos e de opinião em sites e revistas especializadas sejam físicas e ou digitais. É colunista do site Fatos Políticos.

Contato: [email protected]

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