Nos dois últimos artigos descritos para o site este colunista trouxe, sob a sua ótica, dois tópicos e duas dimensões pertencentes à política que desaguou em nosso exemplo de estrutura de país. São os seguintes: Estado e governo. Ambos consideramos a espinha dorsal que movimenta o corpo organizado do agrupamento político denominado Brasil, além, obviamente do povo soberano e do território.
Entretanto, nos restringiremos aos dois entes, Estado e governo e o prejuízo causado para a sociedade quando os dois não se entendem ou não se coadunam. Primeiro, temos o Estado, como uma complexidade institucional e, por conseqüência, uma pessoa jurídica de direito público, sendo assim, toda e qualquer centelha de conflito poderá causar sérios prejuízos ao tecido social. Concomitantemente, temos o outro ente, o governo. Este segue o parâmetro de mandato temporário, está inserido no Poder Executivo, e o seu Chefe é o famoso gestor público eleito na festa democrática das eleições.
Com isso, transmitimos a real conexão entre Estado e governo e a sua linha de dependência nas suas ações. Na prática, mencionar um deles sem a consonância com o outro é deixar um vazio existencial. A política é extremamente dinâmica e não admite vácuo em seu sistema, pois, necessita da obtenção de resultados concretos daí a impossibilidade desse entrelaçamento não acontecer em uma democracia.
É nessa linha de raciocínio e metodologia que trazemos essa ligação essencial entre Estado e governo como uma espécie de práxis no regime democrático, ou seja, por ter a democracia o significado embrionário de poder do povo e este ter que receber conhecimento através da educação (esta como política de Estado) sendo que a compreensão gira no entorno de um conjunto concatenado de atos fundamentados na aprendizagem como base do processo de formação humana emitidos pela tomada de decisão do governante que realiza as suas ações em benefício da população por meio de políticas públicas devidamente avaliada e planejada (política de governo).
Assim essa é a compreensão. Na Democracia Ocidental temos a existência de um Estado e de um governo, inseridos em um sistema legal denominado Estado Democrático de Direito, onde há uma população com poder soberano que banca, através de pagamentos de tributos, ambos os entes, tendo como resultado uma arrecadação de receita pelo ente estatal que reverte para a sociedade, por intermédio de políticas públicas realizadas, efetivamente, por um governo que recebe os repasses descritos no arcabouço jurídico – legal existente.
Dito isso, exaramos a seguir a dificuldade de transformação estrutural que o Brasil passa com as mudanças governamentais sofridas a cada eleição democrática por conseqüência das ideologias distintas entre os governantes alternadamente.
Cremos que o Brasil tem grandes dificuldades seqüenciais de crescimento por conta dos governos alternados que decidem não manter a mesma linha de atuação nas tomadas de decisões no que dizem respeito ao cumprimento de atos pertencentes ao ente estatal, pois confundem as políticas de Estado com as políticas de governo. Senão vejamos.
A descontinuidade dos atos governamentais com as alternâncias administrativas gera desgastes e ineficiências. O povo soberano começa a ser impactado logo nas pré-eleições. As narrativas dos adversários são caóticas, sendo que, do lado da oposição menciona que a continuidade do governo atual trará grandes problemas a população e, a versão da situação traz o marketing de seus feitos no período em que está no poder político e argumenta que a sua saída seria um erro e a entrada da oposição destruiria aquilo que supostamente foi construído em benefício popular.
Ou seja, quase nunca nas eleições brasileiras os candidatos são propositivos, apresentando soluções aos problemas do povo soberano no sentido da melhora estrutural. Nesses momentos de concorrência aos pleitos, o processo eleitoral é atingido por embates insanos tornando a escolha do voto bastante complicada, pois existem vários tipos de escolha, seja ela racional ou emocional, bem como a troca ou a venda dos votos (infelizmente acontece) trazendo enormes dificuldades quando um concorrente vence a eleição sem o compromisso necessário ou não possui competência para entender o que é o Estado e o governo.
Não podemos esquecer que tanto o Estado quanto o governo são considerados instituições, pois são organismos estabelecidos por intermédio de leis, normas e regras que visam atender as necessidades do povo soberano e a sociedade ao qual pertence. Com isso, não é difícil visualizar e entender quem é o Estado e quem é o governo no que tocam as suas ações, mas de fato, não é tão difícil se confundir nas tomadas de decisões políticas devido à complexidade da máquina do Estado e sua interpretação.
Para evitar confusões basta seguir o arcabouço jurídico – legal que define as atuações de ambas as instituições e suas respectivas atribuições e logo se verificará quem é a máquina estatal e quem é o seu condutor, ora o governante. Então perguntamos: O problema não diz respeito à interpretação legal? Daí respondemos: Não, haja vista, basta o governante seguir a cartilha e a liturgia do cargo para agir de forma condizente como o representante da sociedade, eleito pelo povo soberano e amparado pelo seu corpo técnico que lhe ajuda a entender as suas atribuições e limites legais.
Então, vocês reperguntam sobre o tema: Se o problema não é tanto a interpretação legal que define as ações públicas do governante dentro do bojo da máquina de Estado, o que gera a confusão do que é o Estado e governo? Por que não existe uma continuidade rumo ao crescimento do Brasil? Como resposta, teríamos as mudanças sob a vertente de dois aspectos, ou seja, da essência e da eventualidade. Sob a nossa ótica, em relação à essência seriam três pontos: ideologia; sectarismo partidário e interesse pessoal.
a). A ideologia. Obviamente, a percepção do governante deve ser levada em consideração quando se está no exercício poder, pois agirá de acordo com as suas convicções, visão de mundo e sensibilidade sobre os problemas e as necessidades do povo soberano.
Mas, o governante traz consigo na sua personalidade a formação familiar (e suas heranças transmitidas de geração para geração), bem como a construção imagética de sua aparência (baseada na sua formação familiar), dentre outras. Nesse caldeirão estão atreladas as suas características pessoais empíricas absorvidas pela freqüência escolar desde tenra criança até a maioridade com a troca de idéias e aprendizagem de conhecimento em sala de aula e também com as relações sociais que o transformam fixando a sua identidade.
b). O sectarismo partidário. Este aspecto é de fato importante para qualquer analista e pesquisador. Todo e qualquer partido político possui em seus quadros pessoas que o movimenta, o impulsiona em várias atividades como, por exemplo, formação de sua Executiva Partidária (onde se distribui as funções dos membros incumbidos de torná-lo ativo); designações de reuniões para tratar de pautas de seus interesses; participação efetiva na sociedade através de movimentos sociais; participação efetiva na política como situação ou oposição; dentre várias outras.
Entretanto, realizar tais ações previstas em lei e em seu estatuto são consideradas normais e salutares, mas, se houver a ultrapassagem dos limites passará a transbordar irregularidades e ausência do bom-senso o que começa a não ser interessante para a sociedade como um todo, quiçá interesse, obviamente, apenas ao grupo envolvido por interesses próprios em detrimento de todos os demais.
Os membros partidários sectários, geralmente, agem de forma emocional tanto no sistema político-partidário ardoroso quanto na aceitação de um entendimento ou uma filosofia, como no caso dos vândalos de Brasília. Este tipo de ação pode crescer em escalas absurdas gerando uma sinergia entre os integrantes que passam agir emocionalmente em bloco. A título de exemplo, vimos no dia 08/01/2023, um enorme grupo de pessoas unidas na Praça dos Três Poderes em Brasília-DF, invadindo as sedes do Supremo Tribunal Federal – STF, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto, cometendo uma série absurda de crimes, dentre eles, crime de dano, crime de tentativa de golpe de Estado dentre vários outros.
c). O interesse pessoal. Este, geralmente, está incrustado no indivíduo que possui interesses ou práticas pessoais que, podem, inclusive, se estender para o campo de sua atividade profissional. Nessa linha de raciocínio cada qual se importa com o objetivo desejado.
Já no que tange a eventualidade, os avanços não se consolidam por causa da intercessão político-partidária que se espraia em uma série contínua de atos que influenciam nos cortes pontuais do orçamento, remanejamento e substituição de servidores públicos de projetos para aplicação de políticas públicas, falta de pagamentos para a continuação de obras importantes, a captura de projetos de governos anteriores mudando a nomenclatura, as promessas eleitorais não cumpridas, a corrupção como mote principal no aspecto eventual dentre várias outras.
A descontinuidade administrativa é um modus operandi calculado por um governante que pensa apenas em si mesmo em detrimento da maioria. A falta de inteligência no entorno dos governantes é um dos principais fatores para tal encefalite política contaminada pelo vírus da ganância. Ser governante é ter astúcia e sabedoria, é criar a reflexão e o brainstorm para ter direcionamento. Ambição é do jogo, mas o seu transbordamento pode causar crimes acabando com projetos valiosos para a população.
Mas, infelizmente, quando se trata dos interesses no campo político as coisas se tornam diferentes, pois, nesta área as tomadas de decisões são intensas e beneficiárias, ou seja, envolve projetos, realização de políticas públicas, receita em alta escala para a satisfação e resolução de problemas para o povo soberano. Assim, o governante que está exercendo a função no momento tem que ser um gestor equilibrado realizando os seus atos públicos de acordo com a lei. Mas, mesmo tendo que seguir as regras do jogo, o interesse individual do Chefe do Executivo pode estar acima de tudo prejudicando a maioria.
Para tanto, não podemos esquecer que o raio de atuação do governante deve seguir os parâmetros da política. Esta é a ciência da governança de um Estado ou Nação e também uma arte de negociação para compatibilizar interesses públicos e não privados do Chefe do Executivo, sendo este passível de responder civil e criminalmente por violações ao arcabouço jurídico – legal e, se comprovada a suposta irregularidade, terá sofrido, como conseqüência desses delitos, a suspensão dos seus direitos políticos por um grande período de sua carreira, aliás, podendo, inclusive, sofrer a pena capital de privação de liberdade restringindo o seu direito constitucional de ir, vir e permanecer. Além disso, também poderá sofrer conseqüências mais brandas, mas tudo dependerá da proporcionalidade do seu ato negativo analisado e julgado no Poder Judiciário.
Em conexão aos três pontos devemos observar a mudança natural que acontece em todas as sociedades globais, onde as gerações passam e as características da população alteram por inúmeros motivos como, por exemplo, o país se torna mais velho; crianças nascem; adolescentes crescem; o mercado de trabalho se modifica por conta da alta tecnologia de impacto; dentre várias outras.
Em meio a todo esse turbilhão de transformações os momentos se tornam muito mais desafiadores tanto para as estruturas complexas do Estado quanto para as do governo que, a nosso ver, se confundem cada vez mais por não sofrerem alterações concomitantes de seu próprio arcabouço jurídico – legal no período correto, causando confusões grotescas. Acompanhar as mudanças geracionais (implementando novas leis, novas interpretações, novos mecanismos de aproximação do poder público com a sociedade e seus nichos) evitam grandes impactos negativos fazendo fluir a normalidade.
Com essas diversas alterações, é sim pertinente analisarmos todos os mecanismos, todos os processos, todos os procedimentos que ligam e interligam as estruturas de Estado e de governo. É inevitável barrar as mudanças trazidas pelos efeitos sociais de geração para geração. Muitas vezes não há como manter uma política pública oriunda do Estado ou do governo se já está defasada ou desatualizada. O paradigma que ensejou a aplicação daquela política pública pode não mais ser o modelo atual, pois se descaracterizou. Nesse sentido, os mecanismos de controle (do Poder Público como um todo, por exemplo, TCE, TCU, Legislativo municipal, estadual e federal, MPE, MPF, dentre outros) são relevantes para esse tipo de análise, bem como as pesquisas de mercado, políticas, sociais e acadêmicas que também trazem elementos interessantes para apontamentos sociais complexos de constatação dessas transformações efetivas.
Em nossa visão política o conflito entre o Estado e o governo, por um lado serve para apontar uma série de particularidades que afetam o povo soberano como, falhas, mudanças, vícios, erros, equívocos, vácuos, ineficiência, fragilidade, incomunicabilidade, crimes, dentre vários outros. Mas, por outro lado, também serve para identificar boas intenções, boas políticas públicas efetivas, transparência, publicidade dos atos, respeito à coisa pública (como, por exemplo, observar a Lei de Responsabilidade Fiscal, dialogar com os nichos sociais, com o MP, TCE, TCU e legislativos) e por fim, o estreitamento com a sociedade criando canais de participação, conselhos e coalizão com os membros dos legislativos, dentre outros.
Esses são os termômetros de percepção das mudanças estruturais trazidas pela interligação entre o Estado e o governo. Os impactos das ações do Estado e de governo abalam positiva ou negativamente o povo soberano. Percebemos algo diferente ou estranho nesse fluxo público entre essas instituições por meio das mudanças endógenas, ou seja, vem de fora para dentro, por exemplo, quando se realiza uma política pública e a população rechaça por falta de efetividade, logo, a mesma se organiza através de seus representantes legais e reclama nos canais públicos, pela mídia ou por movimentos sociais.
De forma alguma podemos entender a descontinuidade administrativa como parte da alternância de governo nas democracias. Os governos passam e o Estado permanece. O crescimento de um país, um estado ou de um município deve estar amparado pela continuidade das ações dos governantes que respeitam a identidade e o patriotismo moderado. Não há nada de mais um governante que entra dar continuidade a política de Estado ou de governo daquele que sai desde que, seja analisada e bem avaliada. Cremos que nos faltam políticos com “P” maiúsculo, sem apego a cargo e ao poder, obviamente, com raras exceções e sem generalizações, haja vista, antigas e boas lideranças ainda existem e fazem escola para as novas lideranças que chegam mesmo a passos de tartaruga…
Dr. Edney Firmino Abrantes é Advogado, Cientista Político, Professor e Pesquisador. É Especialista, Mestre e Doutor. É autor dos livros “Construção e desconstrução imagética dos políticos nas campanhas eleitorais” e “Astroturfing e o discurso político na pandemia” dentre outros. É autor de inúmeros artigos científicos e de opinião em sites e revistas especializadas sejam físicas e ou digitais. É colunista do site Fatos Políticos.
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